Quando qualificamos de “satânica” a ação antitradicional de que estamos estudando aqui os diversos aspectos, deve ficar bem entendido que isso é inteiramente independente da ideia mais particular que cada um possa formar do que se chama “Satã”, conforme certas visões teológicas ou outras. Com efeito, as “personificações” não importam do nosso ponto de vista e em nada têm a ver com essas considerações. O que importa considerar é, por um lado, o espírito de negação e de subversão no qual “Satã” se resolve metafisicamente — independentemente das formas especiais que ele possa revestir para se manifestar em tal ou qual domínio — e, por outro lado, o que ele propriamente representa e “encarna”, por assim dizer, no mundo terrestre, onde consideramos sua ação, e que não é senão o que chamamos de “contra-iniciação”.
Importa assinalar bem que dizemos “contra-iniciação” e não “pseudo-iniciação”, que é algo muito diferente. Com efeito, não se deve confundir o contrafator com a contrafação, da qual a “pseudo-iniciação” — como existe hoje em numerosas organizações que, na maioria, se vinculam a alguma forma de “neoespiritualismo” — não é senão um dos múltiplos exemplos, do mesmo modo que aqueles que já vimos constatar em ordens diferentes; embora talvez ela se apresente ainda, enquanto contrafação da iniciação, com uma importância mais especial do que a contrafação de qualquer outra coisa.
A “pseudo-iniciação” não é realmente senão um dos produtos do estado de desordem e de confusão provocados, na época moderna, pela ação “satânica” que, em seu ponto de partida, se concentra na “contra-iniciação”. Ela pode ser assim, de modo inconsciente, um instrumento desta última; mas, no fundo, é verdadeiramente igual, em certo grau, a todas as outras contrafações, no sentido de que todas são igualmente meios auxiliares na realização de um mesmo plano de subversão, de tal maneira que cada uma tem exatamente o papel mais ou menos importante que lhe é atribuído dentro do conjunto — o que, de resto, constitui ainda uma espécie de contrafação da ordem e da harmonia contra as quais todo esse plano é dirigido.
A “contra-iniciação” não é uma simples contrafação totalmente ilusória, mas, ao contrário, algo muito real em sua ordem, como a ação que ela efetivamente exerce o mostra suficientemente. De modo algum é uma contrafação no sentido em que ela necessariamente imite a iniciação de maneira invertida, embora sua verdadeira intenção não seja imitá-la, mas sim opor-se a ela. Essa pretensão, ademais, é forçosamente vã, porque o domínio metafísico e espiritual lhe é absolutamente interdito, estando-lhe fechado além de toda oposição; tudo o que ela pode fazer é ignorá-lo ou negá-lo, e não pode de modo algum ir além do “mundo intermediário”, isto é, o domínio psíquico, que é, de resto, sob todos os aspectos, o campo de influência privilegiado de “Satã” na ordem humana e mesmo na ordem cósmica¹. Mas a intenção não deixa de existir, visto que a parte principal que ela implica é justamente a de se orientar em sentido inverso ao da iniciação.
Quanto à “pseudo-iniciação”, ela não é nada mais que uma paródia pura e simples, o que equivale a dizer que não tem valor algum, já que é vazia de toda realidade profunda — ou, por outras palavras, que seu valor intrínseco não é nem positivo, como o da iniciação, nem negativo, como o da “contra-iniciação”, mas simplesmente nulo. No entanto, a pseudo-iniciação não se reduz a algo inofensivo, como se poderia ser tentado a crer em tais condições. É precisamente pelo que já explicamos, de maneira geral, sobre o verdadeiro caráter das contrafações e o papel ao qual elas são destinadas; e é preciso acrescentar ainda que, neste caso específico, os ritos, em virtude de sua natureza “sagrada” no sentido mais estrito do termo, são algo que nunca é possível simular impunemente.
Pode-se dizer ainda que as contrafações “pseudo-tradicionais”, às quais se vinculam todas as deturpações da ideia de tradição que já mencionamos anteriormente, atingem aqui seu grau máximo de gravidade: primeiro, porque se traduzem por uma ação efetiva, em lugar de permanecer no estado de concepções mais ou menos vagas; e, em seguida, porque atacam o lado “interior” da tradição, aquilo que constitui o próprio espírito dela, isto é, seu domínio esotérico e iniciático.
Pode-se notar que a “contra-iniciação” se aplica a introduzir seus agentes nas organizações “pseudo-iniciáticas”, que assim “se inspiram” sem o saber os membros ordinários e, ainda mais frequentemente, seus próprios chefes aparentes — os quais não são menos inconscientes do que os outros acerca do que são na realidade. Mas convém dizer que, de fato, ela os introduz também, de modo semelhante, em toda parte onde possa, em todos os “movimentos” mais exteriores do mundo contemporâneo, políticos ou outros, e mesmo, como já indicamos anteriormente, até mesmo em organizações autenticamente iniciáticas ou religiosas, mas nas quais o espírito tradicional esteja demasiado enfraquecido para que possam ainda ser capazes de resistir a essa penetração insidiosa.
Todavia, à parte desse caráter que lhe permite exercer sua ação dissolvente onde quer que seja possível, nessas organizações “pseudo-iniciáticas” é sem dúvida aí que deve reter sobretudo a atenção do que concerne à iniciação e ser objeto de esforços mais particulares de sua parte, pois a própria obra que ela se propõe é antes de tudo antitradicional, e é nesse domínio único que, em definitivo, ela se resume totalmente. É provavelmente também por essa razão que existem múltiplos laços entre as manifestações “pseudo-iniciáticas” e todas as espécies de outras coisas que, à primeira vista, pareceriam não ter com elas a menor relação, mas que todas são representativas do espírito moderno sob alguns de seus aspectos mais acentuados²; por que, de fato, se não fosse assim, os “pseudo-iniciados” desempenhariam constantemente nesse todo um papel tão importante? Pode-se dizer que, entre os instrumentos ou os meios de que se serve para pôr em prática a obra de que se trata, a “pseudo-iniciação”, por sua própria natureza, deve logicamente ocupar o primeiro lugar: ela não é senão uma engrenagem, sem dúvida, mas uma engrenagem que pode comandar muitas outras, as quais, por sua vez, se encaixam de algum modo nesse conjunto e dele recebem seu impulso. Aqui, a contrafação prossegue ainda: a “pseudo-iniciação” imita, nesse caso, a função do motor invisível que, na ordem normal, pertence propriamente à iniciação; mas é preciso tomar bem cuidado com isto: a iniciação representa verdadeiramente e legitimamente o espírito, animador principal de todas as coisas, enquanto, no que concerne à “pseudo-iniciação”, o espírito está evidentemente ausente.
Resulta imediatamente daí que a ação exercida assim, longe de ser verdadeiramente “orgânica”, não pode ter senão um caráter puramente “mecânico” — o que justifica, aliás, plenamente a comparação das engrenagens que acabamos de empregar. E esse caráter não é também justamente aquele que, como já dissemos, é encontrado em toda parte, e de modo mais marcante, no mundo atual, onde a máquina invadiu todas as coisas, onde o próprio ser humano se vê reduzido, em toda a sua atividade, a assemelhar-se tanto quanto possível a um autômato, porque lhe foi retirada toda espiritualidade? Mas é exatamente aí que se evidencia toda a inferioridade das produções artificiais, mesmo se uma habilidade “satânica” presidiu sua elaboração; pode-se fabricar bem máquinas, mas não seres vivos, porque, ainda uma vez, é o espírito ele mesmo que falta e sempre faltará.
Falamos do “motor invisível” e, além da vontade de imitação que ainda se manifesta também nesse ponto de vista, há nessa espécie de “invisibilidade” — por relativa que seja, aliás — uma vantagem incontestável da “pseudo-iniciação”, no papel que acabamos de assinalar, sobre qualquer outra coisa de caráter mais “público”. Não são apenas as organizações “pseudo-iniciáticas” que, na maioria, se empenham em dissimular grandemente sua existência; elas chegam mesmo a fazer abertamente uma propaganda perfeitamente incompatível com suas pretensões ao esoterismo. Mas, apesar disso, elas são ainda o que há de menos aparente e o que melhor convém ao exercício de uma ação “discreta”; em consequência, é com isso que a “contra-iniciação” pode entrar em contato de maneira mais direta, sem ter de temer que sua intervenção corra o risco de ser desmascarada — sobretudo porque, nesses meios, é sempre fácil encontrar qualquer meio de encobrir as consequências de uma indiscrição ou de uma imprudência.
É preciso acrescentar que uma grande parte do público, ao menos conhecendo a existência de organizações “pseudo-iniciáticas”, não sabe bem o que elas são e está disposta a considerá-las como meras “excentricidades” sem importância séria; e essa indiferença serve ainda aos mesmos desígnios, pois involuntariamente, mas tanto quanto pode, contribui para torná-los ainda mais eficazes.
Tentamos também fazer compreender, assim exatamente quanto possível, o papel real, embora inconsciente, da “pseudo-iniciação”, e a verdadeira natureza das suas relações com a “contra-iniciação”; restaria acrescentar o que ela é, em certos casos ao menos, em virtude de um modo de observação e de seleção que seu próprio recrutamento [exige], mas não é aqui o lugar de insistir nisso. O que não se pode dar sequer uma ideia aproximada é da multiplicidade e complexidade incríveis das ramificações que existem de fato entre todas essas coisas, e das quais apenas um estudo direto e detalhado poderia permitir dar-se conta; mas é bem entendido que aqui trata-se sobretudo do “princípio”, por assim dizer, que nos interessa.
Entretanto, isso ainda não é tudo: até aqui, mostramos em suma por que a ideia tradicional é falsificada pela “pseudo-iniciação”; resta-nos agora ver com mais precisão como ela o é, a fim de que essas considerações não pareçam permanecer encerradas em uma ordem demasiado exclusivamente “teórica”.
Um dos meios mais simples de que dispõem as organizações “pseudo-iniciáticas” para fabricar uma falsa tradição para o uso de seus adeptos é seguramente o “sincretismo”, que consiste em reunir de qualquer modo elementos emprestados de toda parte, justapondo-os de algum modo “do exterior”, sem nenhuma compreensão real do que eles representam verdadeiramente nas tradições diversas às quais pertencem em si mesmos.
Como é preciso, no entanto, dar a esse amálgama mais ou menos informe uma certa aparência de unidade, a fim de poder apresentá-lo como uma “doutrina”, procura-se agrupar esses elementos em torno de algumas “ideias diretrizes” que, longe de serem de origem tradicional, são, ao contrário, tomadas em geral de concepções todas profanas e modernas, portanto, profundamente antitradicionais; já notamos, a propósito do “neoespiritualismo”, que a ideia de “evolução”, em particular, desempenha quase sempre nesse sentido um papel predominante.
É fácil compreender que, por aí, as coisas se encontrem singularmente agravadas: não se trata, mais simplesmente, nessas condições, da constituição de uma espécie de “mosaico” de fragmentos tradicionais que poderia, no máximo, ser apenas um jogo bastante vão, mas pouco inofensivo; trata-se de deturpação e, poder-se-ia mesmo dizer, de “desvio” dos elementos emprestados, visto que se vem a atribuir-lhes um sentido alterado, para fazê-los concordar com a “ideia diretriz” — até mesmo para se opor diretamente ao seu sentido tradicional.
É claro também que os que agem assim não percebem nem são claramente conscientes disso, pois é a mentalidade moderna que é a deles que pode causar e mantém nela tal cegueira real; e em tudo isso é preciso sempre distinguir, em primeiro lugar, a incompreensão pura e simples a que conduz essa mesma mentalidade, e em seguida, devemos talvez ver sobretudo, nas “sugestões” que esses “pseudo-iniciados” recebem ou de que eles mesmos são as primeiras vítimas, um meio de contribuir, por sua parte, para inculcá-las em outros. Mas essa inconsciência não tem em si nada de redentor e não atenua absolutamente em nada a gravidade de seu erro, que não é por isso menos grave por servir, mesmo sem saber, aos fins que a “contra-iniciação” se propõe.
Reservamos aqui o caso dos agentes dela próprios, seja por uma intervenção mais ou menos direta, seja por uma inspiração mais ou menos semelhante às “pseudo-tradições”; poderia-se ainda acrescentar aqui exemplos, o que não quer dizer que, mesmo nesses casos, esses agentes conscientes tenham sido os criadores aparentes e conhecidos das [organizações] “pseudo-iniciáticas”, pois trata-se, em geral, apenas da prudência que sempre recomenda dissimular o mais possível a direção verdadeira atrás de instrumentos inconscientes.
Quando falamos de “inconsciência”, entendemos sobretudo no sentido de que aqueles que elaboram assim uma “pseudo-tradição” são, na maioria das vezes, perfeitamente ignorantes do que ela realmente é e do que serve; porque quanto ao caráter e ao valor de tal produção, é ainda mais difícil admitir que sua boa-fé seja completa, e, no entanto, mesmo aí, é possível que se iludam, em certa medida, ou que sejam iludidos nos casos em que mencionamos por último.
É preciso também, frequentemente, levar em consideração certas “anomalias” de ordem psíquica que complicam ainda mais as coisas e que, de resto, constituem um terreno particularmente favorável para que as influências e as sugestões desse tipo possam exercer-se com a máxima potência; notemos apenas a esse respeito, sem insistir de outra forma, o papel nada desprezível que os “clarividentes” e outros “sensitivos” frequentemente tiveram em tudo isso.
Mas, apesar de tudo, há quase sempre um ponto em que a supercheria consciente e o charlatanismo se tornam, para os dirigentes de uma organização “pseudo-iniciática”, uma espécie de necessidade; assim, se alguém viesse a perceber — o que não é muito difícil no fundo — os empréstimos que eles fizeram mais ou menos desajeitadamente de toda tradição, como poderiam eles reconhecê-los sem se ver obrigados a admitir ao mesmo tempo que na realidade não passam de simples “profanadores”?
Nesses casos, não hesitam geralmente em inverter as situações e declarar audaciosamente que é sua própria “tradição” que representa a “fonte” comum de todas aquelas que eles pilharam; e, se não conseguem convencer todo mundo, ao menos encontram sempre ingénuos que os creem sobre palavra, em número suficiente para sustentar sua situação de “chefes de escola” — posição que, no fundo, importa-lhes sobretudo, não correndo o risco de ser seriamente comprometida, tanto mais que dão relativamente pouca importância à qualidade dos “discípulos” e que, conforme a mentalidade moderna, a quantidade lhes parece bem mais importante — o que bastaria, aliás, para mostrar quão longe estão de possuir a noção elementar do que realmente são o esoterismo e a iniciação.
Não precisamos sequer dizer que tudo o que descrevemos aqui não corresponde apenas a possibilidades mais ou menos hipotéticas, mas sim a fatos reais e devidamente constatados; não acabaríamos mais se fôssemos citar todos, mas seria, de resto, bastante útil no fundo: bastam alguns exemplos característicos. Assim, é pelo processo de “sincretismo” de que falávamos que se quis constituir uma pretendida “tradição oriental”, a das teosofistas, não tendo de oriental senão uma terminologia mal compreendida e mal aplicada e, como sempre acontece, um “dividido contra ele mesmo” que, seguindo a palavra evangélica, os ocultistas franceses, por espírito de oposição e de concorrência, quiseram à sua vez dar nascimento a uma “tradição ocidental” do mesmo gênero, composta de elementos diversos, notadamente aqueles que tiraram da Cabala, que dificilmente poderiam ser mais ocidentais quanto à sua origem, sem contar a maneira especial de os interpretar.
Os primeiros apresentam sua “tradição” como a expressão mesma da “sabedoria antiga”; os segundos, talvez um pouco mais modestos em suas pretensões, procurarão sobretudo fazer passar sua constituição como a restauração de uma tradição que teria sido outrora obscurecida no Ocidente e que eles se gabariam de ter redescoberto em toda a pureza… porque, na realidade, havia na origem de seu “movimento” influências bastante enigmáticas, e das quais eles próprios teriam sem dúvida sido bem incapazes de determinar a verdadeira natureza; pois, no que diz respeito a esses segundos, eles não sabiam senão muito bem que não havia nada atrás deles, que seu valor não era verdadeiramente senão o de algumas individualidades reduzidas a seus próprios meios, e, se é verdade, contudo, que um “algo” de outro se introduzia ali também, isso não foi certamente senão muito mais tarde; não seria, portanto, muito difícil fazer a distinção entre esses dois casos, considerados sob esse ponto de vista, a aplicação do que acabamos de dizer até aqui, e podemos deixar a cada um o cuidado de daí tirar por si mesmo as consequências que lhe parecerão decorrer logicamente.
Bem entendido, nunca houve nada que se pudesse chamar autenticamente de “tradição oriental” ou de “tradição ocidental”, tais denominações sendo manifestamente demasiado vagas para poderem aplicar-se a uma forma tradicional definida, pois, a menos que se remonte à tradição primordial — o que está fora de questão, por razões demasiado fáceis de compreender, e que, além disso, não é nem oriental nem ocidental —, há e sempre houve formas tradicionais diversas e múltiplas tanto no Oriente como no Ocidente. Outros creram melhor fazer inspirar mais facilmente confiança apropriando-se eles mesmos daquele qualificativo, sem que uma tal tradição realmente tivesse existido numa época mais ou menos longínqua, e ao fazer disso a etiqueta de uma construção tão heteróclita quanto as precedentes, pois, ainda que utilizem naturalmente mais ou menos o que puderam extrair de tal ou tal tradição sobre a qual lançaram seu dévolu, eles foram bem forçados a completar isso com alguns dados sempre muito fragmentários, e frequentemente mesmo em parte hipotéticos, recorrendo a outros elementos tomados alhures ou inteiramente imaginários. Em todo caso, a menor amostra de todas essas produções basta para fazer ressaltar o espírito especificamente moderno que presidiu a elas, o que se traduz invariavelmente pela presença de algumas das mesmas “ideias diretrizes” às quais fizemos alusão mais acima; não haveria, portanto, necessidade de empurrar as pesquisas muito longe e de se dar ao trabalho de determinar exatamente e em detalhe a proveniência real de tal ou qual elemento de um tal conjunto, pois essa constatação mostra-se já bem suficiente, sem deixar lugar à menor dúvida, de que se está na presença de nada além de uma contrafação pura e simples.
Um dos melhores exemplos que se poderia dar desse último caso, são as numerosas organizações que, na época atual, se intitulam “rosacruzes”, o que, vá-se lá saber, não deixa de estar em contradição umas com as outras, e até mesmo de se combaterem mais ou menos abertamente, todas pretendendo igualmente ser representantes de uma única e mesma “tradição”. Na realidade, pode-se duvidar inteiramente da razão de ser delas, sem nenhuma exceção, quando se examinam de perto as condições ilegítimas e fraudulentas em que nasceram; não há seguramente nada aí que possa merecer o nome de “rosacrucianismo”, se não mesmo de “Rosa-Cruz”, já que desde que se falou disso, não houve jamais nada de autêntico! É, aliás, bastante perigoso deixar passar por tal continuação o que só pode ser um empreendimento inteiramente moderno e, sobretudo, usurpatório, e é preciso ao menos temer que o que se trata, ainda e sempre, de uma [impostura].
É este o caso, envolto de certa obscuridade, de modo que seu fim não é mais seguramente conhecido do que sua origem; e quem, entre o público profano e mesmo entre os “pseudo-iniciados”, pode saber o que foi exatamente a tradição que, durante certo período, qualificou-se de rosacrucianismo? Acrescentemos ainda: estas observações, concernentes à usurpação do nome de uma organização iniciática, não se aplicam a um caso como o da pretensa “Grande Loja Branca”, que, coisa bastante curiosa, é de fato a mais frequentemente questão de todos os lados, e não somente entre os teosofistas; esta denominação, com efeito, jamais teve nem de longe o menor caráter autenticamente tradicional, e, se convém que um título convencional possa servir de “máscara” a qualquer coisa que tenha uma realidade qualquer, não é certamente, em todo caso, do lado iniciático que convém procurar.
Tem-se criticado bastante a maneira como certos relegam os “Mestres” de quem se dizem recomendados a alguma região quase inacessível da Ásia central ou de outros lugares; é, na verdade, um meio bastante fácil de tornar suas afirmações inverificáveis, mas não é só isso, pois o afastamento no tempo pode igualmente, a esse respeito, desempenhar um papel exatamente comparável ao afastamento no espaço. Por isso outros não hesitaram em pretender se vincular a alguma tradição inteiramente desaparecida e extinta desde séculos, ou mesmo desde milhares de anos; é verdade que, a menos que se atrevam a afirmar que tal tradição tenha se perpetuado durante todo esse tempo de maneira secreta e tão bem oculta que nenhum outro além deles pôde descobrir o menor vestígio, isso os priva da vantagem apreciável de reivindicar uma filiação direta e contínua, que daria ainda mais aparência de verossimilhança do que pode ter um recurso quando se trata de uma forma tão recente quanto o é o rosacrucianismo; mas esse defeito não tem suficientemente peso aos olhos deles, pois são tão ignorantes das condições verdadeiras da iniciação que imaginam de bom grado que um simples vínculo “ideal”, sem qualquer transmissão regular, pode valer como um vínculo efetivo. Além disso, é bastante claro que uma tradição se presta tanto melhor a todas as “reconstituições” fantasiosas quanto mais completamente perdida e esquecida se encontra, e tanto menos se tem apegado ao seu sentido real nos vestígios que subsistem, e dos quais se pode fazer dizer praticamente tudo o que se quiser; cada qual naturalmente introduzirá aí o que lhe convém conforme às suas próprias “ideias”; sem dúvida não é por outro motivo que se quis buscar se apoiar no fato de que a tradição egípcia era especialmente “explorada” sob esse aspecto, e que tantas “pseudo-iniciados” e “escolas” de todos os tipos testemunham uma predileção que de outra forma se compreenderia mal. Não queremos, é preciso esclarecer, evitar toda aplicação falsa do que acabamos de dizer, que nossas observações concernem unicamente às referências ao Egito ou a outras coisas do mesmo gênero que podem por vezes se encontrar mesmo em certas organizações iniciáticas, mas que têm aí apenas um caráter de “legendas” simbólicas, sem nenhuma pretensão a se fazer passar por tentativas de reconstituição; não visamos senão o que pode parecer uma restauração, válida como tal, de uma tradição ou de uma iniciação que não existe mais, restauração que, aliás, mesmo na hipótese… impossível, em que fosse em todos os pontos exata e completa, não teria ainda outro interesse em si mesma senão o de uma simples curiosidade arqueológica.
Interrompemos aqui essas considerações já longas, e que bastam amplamente para fazer compreender o que são, de um modo geral, todas essas contrafações «pseudo-iniciáticas» da ideia tradicional que são tão características de nossa época: uma mistura mais ou menos coerente, antes menos que mais, de elementos em parte tomados de empréstimo e em parte inventados, o todo sendo dominado pelas concepções antitradicionais que são próprias ao espírito moderno, e que não podem, consequentemente, servir em definitivo senão para difundir ainda mais essas concepções fazendo passar alguns dentre eles por tradicionais, sem falar do logro manifesto que consiste em dar por «iniciação» o que não tem na realidade senão um caráter puramente profano, para não dizer «profanador». Se se quisesse considerar depois disso, como uma espécie de circunstância atenuante, que há quase sempre aí, apesar de tudo, alguns elementos cuja proveniência é realmente tradicional, responderemos que: toda imitação, para poder ser aceita, deve naturalmente tomar ao menos alguns traços daquilo que simula, mas é precisamente aí que aumenta ainda mais o perigo; a mentira mais nociva, a mais funesta, não é precisamente aquela que mistura de modo inextricável o verdadeiro com o falso, esforçando-se assim em fazer servir aquele à vitória deste?
Notas de rodapé:
¹ Segundo a doutrina islâmica, é sobre a nafs (a Alma) que o Shayṭān tem poder sobre o homem, enquanto que a rūḥ (o Espírito), sendo a essência pela qual brilha a luz, está além de seus ataques.
² Já demos um número bastante grande de exemplos de atividades desse gênero nas páginas da Teosofia.