Rose-Croix et Rosicruciens, maio de 1931 – René Guénon
O nome Rosa-Cruz é hoje usado de modo vago e, por vezes, abusivo, sendo aplicado indistintamente a muitos grupos diferentes, entre os quais poucos, sem dúvida, teriam o direito legítimo de ostentar tal designação. Para evitar essas confusões lamentáveis, parece que a melhor solução seria estabelecer uma clara distinção entre a Rosa-Cruz e os Rosacruzes, sendo que este último termo passou a ser usado num sentido mais amplo que o primeiro. É provável que a maioria dos que são chamados de Rosa-Cruz, geralmente assim designados, fossem, na realidade, apenas Rosacruzes.
Para compreender essa distinção importante, mas frequentemente negligenciada, é necessário lembrar que, como já indicamos em outras ocasiões, a Rosa-Cruz jamais constituiu uma associação formada segundo moldes exteriores definidos. Houve, é certo, a partir do século XVII ao menos, muitas associações que poderiam ser chamadas rosacrucianas, mas podemos estar seguros de que seus membros não eram, de modo algum, Rosa-Cruz, precisamente pelo fato de pertencerem a tais associações.
Há algo aqui que pode parecer paradoxal e até contraditório à primeira vista; por isso, pensamos que algumas explicações sobre o assunto poderiam ser úteis. Na verdade, a distinção de que falamos está longe de se reduzir a uma questão meramente terminológica, como se poderia pensar, e está ligada a considerações de uma ordem muito mais profunda.
O termo Rosa-Cruz designa propriamente um grau iniciático autêntico, isto é, um estado espiritual determinado, que obviamente não pode estar vinculado ao simples fato de pertencer a uma organização definida exteriormente. O que ele representa pode ser descrito como a perfeição do estado humano, aquilo que se poderia chamar de realização do “menor mistério”. Deve-se levar em conta, por outro lado, que tal designação, frequentemente associada ao uso de certo simbolismo, foi usada em circunstâncias determinadas de tempo e lugar, das quais toma emprestado seu aspecto particular. Poderia dizer-se, portanto, que aqueles que possuíram esse grau foram chamados Rosa-Cruz nessas circunstâncias e por essas razões históricas, assim como poderiam ter recebido outro nome em outras circunstâncias.
Não parece possível traçar o nome Rosa-Cruz a um período anterior ao século XIV, e isso se deve, como se diz, à lenda de Christian Rosenkreutz, personagem cuja existência histórica é duvidosa, sendo mais provável que ele represente uma “entidade coletiva”. Isso, naturalmente, não significa que a realidade à qual esse nome se refere seja recente; antes, como ocorre em toda verdadeira tradição, seria vão buscar-lhe uma origem histórica. O que queremos dizer é que o nome derivado do símbolo foi aplicado a um grau iniciático apenas a partir do século XIV e, além disso, unicamente dentro do mundo ocidental. Aplica-se, portanto, somente a uma forma tradicional particular, a do esoterismo cristão, ou, mais precisamente, a do hermetismo cristão.
Explicamos em nosso artigo anterior que o hermetismo possuía o conhecimento de uma ordem cosmológica que correspondia exatamente à iniciação nos “pequenos mistérios”, cujo signo da Rosa-Cruz marca a culminação, aparecendo como a reintegração ao centro do estado humano e à plena expansão de suas possibilidades individuais dentro desse centro. Também vimos que o hermetismo, de origem greco-egípcia, como o próprio nome indica, incorporou elementos tanto do esoterismo cristão quanto do islâmico, de modo que se tornou parte essencial de ambos. Ademais, essas duas formas tradicionais mostram, em quase todos os aspectos, mais semelhanças entre si do que com quaisquer outras.
O significado da lenda de Christian Rosenkreutz e das jornadas que lhe são atribuídas parece ser o seguinte: após a destruição da Ordem do Templo, os iniciados do esoterismo cristão reorganizaram-se, em concordância com os iniciados do esoterismo islâmico, tanto quanto possível, de forma a restaurar a unidade que havia sido rompida por essa destruição. Mas tal reorganização teve de ser feita de maneira oculta, invisível em muitos aspectos e sem recorrer a uma instituição formal, a qual, aliás, poderia ter sido um risco nessa conjuntura. Os verdadeiros Rosa-Cruz eram, muito provavelmente, os depositários dessa reorganização, ou, em outras palavras, os detentores desse grau de iniciação, cujos conhecimentos se expandiram especialmente quando os laços exteriores com o Oriente se romperam, após os eventos históricos que puseram fim definitivo ao contato entre o Ocidente e o mundo islâmico no século XVII. Foi por isso que o nome Rosa-Cruz permaneceu associado ao Ocidente, enquanto no Oriente, que manteve viva a iniciação ininterrupta, tal designação não foi empregada.
Quanto a saber quem foram os verdadeiros Rosa-Cruz e afirmar com certeza se tal personagem existiu ou não, isso se mostra absolutamente impossível, pelo simples fato de tratar-se de um estado espiritual, logo, por natureza, muito superior e anterior a qualquer indivíduo, o que torna impróprio julgar a partir de sinais exteriores. Além disso, devido à própria natureza de seu papel, os Rosa-Cruz não poderiam deixar qualquer traço na história profana. Mesmo que seus nomes fossem conhecidos, nada de real se aprenderia com eles, pois, como se diz, tais nomes variavam de acordo com o país em que residiam, o que indica claramente que estavam libertos das limitações próprias da individualidade comum.
Quanto aos personagens conhecidos, sobretudo autores de escritos atribuídos à Rosa-Cruz, é provável que, na maioria dos casos, tenham sido apenas influenciados ou inspirados pela Rosa-Cruz, servindo como seus porta-vozes, o que nos permite dizer que eram apenas Rosacruzes e não Rosa-Cruz propriamente ditos, ainda que pertencessem a grupos que usavam o mesmo nome. Por outro lado, se ocorreu algum caso excepcional em que um verdadeiro Rosa-Cruz tenha desempenhado um papel visível em eventos exteriores, é bem provável que os historiadores jamais o tenham suspeitado, uma vez que tais acontecimentos pertencem a domínios completamente distintos. Tudo isso pode parecer insatisfatório ao espírito curioso, mas é inevitável: muitas coisas permanecem, assim, além do alcance da investigação histórica profana, o que, em suma, nos permite apreender apenas o exterior dos acontecimentos.
Devemos acrescentar outra razão pela qual os verdadeiros nomes dos Rosa-Cruz permaneceram desconhecidos: nenhum deles poderia jamais proclamar-se tal, assim como, na iniciação islâmica, nenhum Sufi autêntico poderia reivindicar tal título. Existe, aliás, uma semelhança notável entre ambos, que merece ser assinalada. É digno de nota que o termo Sufi, tomado literalmente nas letras que o compõem, é de valor superior ao do nome Rosa-Cruz e se refere a possibilidades que vão além das da individualidade humana, mesmo consideradas em sua extensão mais elevada. Mas é igualmente verdadeiro dizer que o ser que atingiu essas possibilidades passou, a fortiori, pelo grau dos Rosa-Cruz e, consequentemente, pelas correspondentes etapas intermediárias.
Além disso, o nome Sufi é, sob certo aspecto, sinônimo do mesmo símbolo da Rosa-Cruz, na medida em que implica o ser purificado de toda contingência e de toda separação, atingindo a unidade interior, um estado de gnose que conduz à verdadeira iluminação. Embora nunca tenha sido publicamente reivindicado, esse grau existiu e continua a existir em ambos os ramos da Tradição, o oriental e o ocidental.
O termo designa aquele que alcançou o grau supremo, mas é igualmente aplicado àqueles que ainda se encontram nos estágios preliminares e mesmo nas mais externas etapas da preparação. Assim, não apenas nesse caso, mas também para o ser que atingiu o mais alto grau sem, contudo, ter alcançado o termo final, a designação apropriada é mutasawwuf; e, como o Sufi não se distingue exteriormente por nenhum sinal, essa mesma designação é também a única que se pode aceitar, não por virtude ou modéstia humana, mas porque seu estado espiritual é, em si mesmo, um segredo inefável. Ela é nitidamente análoga, num sentido mais restrito, àquela que pode ser expressa pelos termos Rosa-Cruz e Rosacruciano, sendo o último aplicável a qualquer aspirante ao estado de Rosa-Cruz, independentemente do grau que efetivamente tenha atingido.
Dessa maneira, podemos concluir, a partir do que foi dito, um critério negativo: quando alguém se declara Rosa-Cruz ou Sufi, podemos afirmar com certeza que não o é na realidade.
Outro critério negativo decorre do fato de que mencionamos, desde o início, que a Rosa-Cruz jamais formou uma associação. Se, invisivelmente, inspirou e dirigiu certas organizações que se manifestaram exteriormente, foi justamente por essa razão que os verdadeiros Rosa-Cruz jamais tomaram parte direta nelas, pois isso contrariaria sua função e natureza. Por conseguinte, se alguém é conhecido como membro de uma dessas associações, é seguro dizer que, enquanto tal, não pertenceu à verdadeira Rosa-Cruz.
Cumpre observar também que as organizações externas desse tipo não usaram o título de Rosa-Cruz senão muito mais tarde, apenas a partir do começo do século XVII, ou seja, pouco depois do momento em que a Rosa-Cruz se retirou do Ocidente. É visível, de fato, pelos próprios documentos, que aqueles que se fizeram conhecer sob esse nome já estavam muito mais afastados, ou pelo menos bastante desviados, em relação à tradição original. Isso é tanto mais necessário de se afirmar porque as associações que mais tarde se formaram sob esse mesmo nome, e das quais muito se falou desde então, eram apenas expressões de um ideal, por assim dizer, e não de uma filiação autêntica e regular à verdadeira iniciação.
Em resumo, a maior parte dos grupos contemporâneos que reivindicaram a herança rosacruciana não passa de formações modernas sem relação com a doutrina tradicional, tendo apenas adotado um símbolo cuja verdadeira significação lhes escapa e regulando seus ritos segundo conveniências próprias, por falta de compreensão de seu verdadeiro sentido.
No que precede, há ainda um ponto sobre o qual devemos retornar para maior exatidão: ouvimos falar de um rosacrucianismo, uma colaboração entre iniciados das tradições cristã e islâmica. Essa colaboração deveria continuar, e de fato continuou, pois era necessária para manter a ligação viva entre as iniciações do Oriente e do Ocidente.
Podemos ir ainda mais longe: os mesmos personagens, quer oriundos do cristianismo, quer do islã, podem ter vivido tanto no Oriente quanto no Ocidente, como sugerem certas referências constantes às suas viagens, sendo que o estado espiritual que haviam atingido implicava estarem além das diferenças existentes entre formas exteriores, diferenças estas que em nada afetam a unidade essencial e fundamental da doutrina tradicional.
Além disso, quando o nome Rosa-Cruz não era usado, o símbolo em si não era estranho ao hermetismo islâmico. Pode-se ver, por exemplo, sobre o túmulo de um shaykh, fundador de uma tariqah, a imagem da rosa crucificada.
É, portanto, inteiramente apropriado manter, entre o sufismo e o rosacrucianismo, a distinção que existe entre duas formas diferentes de ensino tradicional. Os Rosacruzes, discípulos mais ou menos diretos da Rosa-Cruz, são apenas aqueles que seguem o caminho do hermetismo cristão; mas não pode haver nenhuma organização iniciática digna desse nome que não possua, em seu ápice, seres que tenham ultrapassado a diversidade das formas exteriores.
Esses seres podem, conforme as circunstâncias, aparecer como Rosacruzes, mutasawufûn ou sob outros aspectos. São, na verdade, o elo vivo entre todas as tradições, pois, em sua consciência da unidade, participam efetivamente da grande Tradição Primordial, da qual todas as tradições derivam, adaptando-se a tempos e lugares, e que é idêntica à própria Verdade.