A confusão entre o psíquico e o espiritual

O que dissemos a respeito de certas explicações psicológicas das doutrinas tradicionais representa um caso particular de uma confusão muito difundida no mundo moderno: a confusão entre os dois domínios, o psíquico e o espiritual. Essa confusão, mesmo quando não chega até uma subversão como a da psicanálise, que assimila o espiritual ao que há de mais inferior na ordem psíquica, não é, por isso, menos extremamente grave em todos os casos. Ela é, de certo modo, consequência natural do fato de que os ocidentais, já há muito tempo, não sabem distinguir a “alma” do “espírito”. O dualismo cartesiano, sem dúvida, contribui bastante, pois reduz a uma única e mesma coisa tudo o que não é corpo; e essa coisa vaga e mal definida é designada indiferentemente por um ou por outro desses nomes. Assim, essa confusão se manifesta a todo instante, até mesmo na linguagem corrente: o nome de “espíritos” dado vulgarmente a “entidades” psíquicas que nada têm de espiritual; a própria denominação de “espiritismo” que daí deriva; sem falar ainda de outro erro que consiste em chamar de “espírito” o que não é, na realidade, senão o “mental”. Estes exemplos bastam. Não é de modo algum difícil ver as consequências desastrosas que podem resultar de tal estado de coisas: propagar essa confusão, sobretudo nas condições atuais, é, queira-se ou não, engajar os seres a se perderem irremediavelmente no caos do “mundo intermediário” e, por isso mesmo, é fazer — frequentemente de modo inconsciente, aliás — o jogo das forças “satânicas” que regem aquilo que chamamos de “contra-iniciação”.

Importa, antes de tudo, precisar, a fim de evitar todo mal-entendido: não se trata de negar que um desenvolvimento qualquer das possibilidades de um ser, mesmo em um plano mais elevado do que o representado pelo domínio psíquico, seja em si mesmo um “malefício”. Mas não se deve esquecer que o domínio psíquico é, por excelência, o das ilusões, e que é sempre necessário situar cada coisa no lugar que normalmente lhe cabe. Em suma, tudo depende do uso que se faz de tal desenvolvimento e, sobretudo, é preciso considerar se ele é tomado como fim em si mesmo ou, ao contrário, apenas como simples meio de alcançar uma meta de ordem superior. De fato, qualquer poder que, segundo as circunstâncias de um caso particular, possa servir de ocasião ou de “apoio” ao ser em sua marcha rumo àquilo que deve conduzi-lo a uma realização espiritual, não será então inútil — em razão da diversidade das naturezas individuais — e pode muito bem desempenhar tal papel nos primeiros estágios, desde que, até certo ponto, a individualidade ainda não esteja inteiramente superada. Mas, por outro lado, qualquer coisa pode tornar-se obstáculo se o “apoio” em que o ser se detém o ilude e o faz perder-se em certas aparências de “realização”, as quais não possuem valor próprio e não passam de resultados totalmente acidentais e contingentes — mesmo que, de certo ponto de vista, possam ser considerados resultados. Esse perigo de desvio existe sempre, precisamente, enquanto se permanece ainda no domínio das possibilidades individuais; é justamente nesse campo que se situam as possibilidades psíquicas, as quais são, indiscutivelmente, as mais vastas e, por isso mesmo, naturalmente, de ordem inferior. O perigo é certamente bem menos grave quando se trata apenas de possibilidades de ordem puramente corporal e fisiológica. Podemos citar, como exemplo, o erro de certos ocidentais que, como já dissemos, tomam o Yoga — ou, pelo menos, aquilo que conhecem de seus métodos preparatórios — por uma espécie de técnica de “cultura física”. Nesse caso, não se corre senão o risco de obter, por práticas realizadas de modo inconsiderado e sem controle, um resultado totalmente oposto ao que se buscava, chegando até a arruinar a saúde acreditando melhorá-la. Isto, em si, não nos interessa senão na medida em que se trata de uma grosseira deformação do emprego dessas práticas, as quais foram feitas para um uso completamente diferente, o mais distante possível do domínio fisiológico, e cujas repercussões naturais nesse campo não constituem senão um simples “acidente”, ao qual não convém atribuir a mínima importância. Todavia, deve-se acrescentar que essas mesmas práticas podem também ter, sem que o ignorante que a elas se entrega o perceba, repercussões nas modalidades sutis do indivíduo — o que, de fato, aumenta consideravelmente o perigo. Assim, pode-se, sem se dar conta, abrir-se a influências de toda sorte (e, evidentemente, são sempre as de qualidade mais baixa que se aproveitam primeiro), contra as quais não se está protegido, muitas vezes nem sequer pressentindo sua existência, e cuja ação é tanto mais perigosa por ser impossível discernir sua verdadeira natureza. Mas, em todo caso, não há aí nada que seja verdadeiramente “espiritual”.

É bem diferente nos casos em que entra em jogo a confusão do psíquico propriamente dito com o espiritual. Essa confusão se apresenta, aliás, sob duas formas inversas: na primeira, o espiritual é reduzido ao psíquico — e é disso que se trata especialmente no gênero de explicações psicológicas já mencionadas; na segunda, o psíquico é, ao contrário, tomado pelo espiritual — e o exemplo mais vulgar é o espiritismo, embora outras formas mais complexas de “neo-espiritualismo” procedam essencialmente do mesmo erro. Em ambos os casos, é sempre o espiritual que, em definitivo, permanece desconhecido. Mas o primeiro concerne a uma simples incompreensão, própria de “científicos” de certo tipo; o segundo, aos que buscam de alguma maneira o espiritual e que, por ignorância, caem inevitavelmente nas armadilhas que lhes são preparadas, particularmente na da produção de “fenômenos” mais ou menos extraordinários. Outros esforçam-se em “centrar” sua consciência sobre os prolongamentos inferiores da individualidade humana, tomando-os por estados superiores simplesmente porque estão fora do quadro em que se encerra a atividade do homem médio. Ora, este, no ponto de vista profano da época atual, corresponde ao que se convencionou chamar “vida ordinária”, na qual não intervém nenhuma possibilidade de ordem extra-sensorial.

Para esses últimos, todo o atrativo do “fenômeno” reside, em fundo, na tendência “experimental” inerente ao espírito moderno — tendência que, na maioria das vezes, é a raiz mesma do erro. Com efeito, o que eles querem obter são sempre resultados de algum modo “sensíveis”; e é nisso que acreditam ver uma “realização”. Mas isso equivale justamente a dizer que tudo o que é verdadeiramente da ordem espiritual lhes escapa inteiramente, pois não o concebem sequer, por mais distante que esteja, e carecem absolutamente de toda “qualificação” a esse respeito. Seria muito melhor, para eles, contentarem-se em permanecer encerrados na banal e medíocre segurança da “vida ordinária”.

É claro que não se trata de negar a realidade dos fenômenos em questão. Eles não são menos reais, mas, por isso mesmo, não são menos perigosos. O que contestamos formalmente é seu valor e seu interesse, sobretudo do ponto de vista de um desenvolvimento espiritual — e é precisamente aí que está a ilusão. Se ainda se tratasse apenas de uma simples perda de tempo e de esforços, o mal não seria tão grande; mas, em geral, o ser que se apega a essas coisas torna-se incapaz de delas se libertar e de ir além, encontrando-se assim irremediavelmente desviado. Sabe-se bem que, em todas as tradições orientais, os adeptos dessas práticas, transformados em simples produtores de “fenômenos”, jamais atingirão a menor espiritualidade. Há mais: pode haver um desenvolvimento de caráter “regressivo”, que não apenas não traz nenhuma aquisição válida, mas afasta cada vez mais da realização espiritual, até que o ser se encontre definitivamente perdido nos prolongamentos inferiores de sua individualidade, por meio dos quais já não pode entrar em contato senão com o “infra-humano”. Sua situação é então sem saída, restando-lhe apenas, no fim, uma: a de uma “desintegração” total do ser consciente. Isto é, propriamente, para o indivíduo, o equivalente da dissolução final do conjunto do cosmos manifestado. Não se deve esquecer, a esse respeito, que tal erro pode, sob todos os aspectos, encontrar apoio no “subconsciente”, no “instinto”, na “intuição” infra racional, ou até mesmo em uma “força vital” mais ou menos indefinida; em suma, em todas essas causas vagas e obscuras que a filosofia e a psicologia modernas exaltam e que conduzem mais ou menos diretamente a estados inferiores. Com maior razão ainda, é necessário guardar-se com extrema vigilância — pois aqui se trata de enganos ainda mais sutis e, portanto, mais insidiosos — de tudo aquilo que induz o ser a “fundir-se”, ou, mais exatamente, a “confundir-se”, ou até mesmo a “dissolver-se”, em uma espécie de “consciência cósmica” desprovida de toda transcendência e de toda espiritualidade efetiva.

Essa é a última consequência de todos os erros anti metafísicos, designados em seu aspecto mais propriamente filosófico por termos como “panteísmo”, “imanentista” e “naturalismo” — todos eles, além disso, estreitamente conexos. Trata-se, com efeito, de tomar a espiritualidade ao inverso, de substituir-lhe o seu contrário, já que isso conduz inevitavelmente à perda definitiva. Eis o que constitui o “satanismo” propriamente dito: seja consciente ou inconsciente, conforme os casos, isso pouco muda quanto aos resultados. E não se deve esquecer que o “satanismo inconsciente” de muitos, mais numeroso do que nunca em nossa época de desordem generalizada, não é, no fundo, senão instrumento a serviço do “satanismo consciente” dos representantes da “contra-iniciação”. Já tivemos, de resto, ocasião de assinalar o simbolismo iniciático de uma “navegação” através do Oceano que representa o domínio psíquico, e que é preciso atravessar evitando todos os seus perigos para atingir a outra margem. Mas que dizer daquele que se lançaria em pleno meio do Oceano sem outra aspiração senão a de ali se afogar? É precisamente isso que significa essa pretensa “fusão” com uma “consciência cósmica” que não é, na realidade, senão o conjunto confuso e indistinto de todas as influências psíquicas — as quais, por mais que alguns imaginem, nada têm em comum com as influências espirituais, ainda que estas possam se manifestar exteriormente de modos semelhantes (pois é justamente nesse domínio que a “contrafação” se exerce em toda a sua extensão, razão pela qual as manifestações “fenomênicas” jamais provam algo por si mesmas, podendo ser absolutamente idênticas tanto no santo quanto no feiticeiro). Aqueles que cometem esse erro fatal esquecem, ou simplesmente ignoram, a distinção entre as “Águas superiores” e as “Águas inferiores”. Em vez de se elevarem pelo Oceano de cima, afundam-se nos abismos do Oceano de baixo. Em vez de concentrarem todas as suas potências e dirigi-las para o mundo informal — único verdadeiramente espiritual — deixam-se dispersar na diversidade indefinidamente mutável e fugitiva das formas da manifestação sutil (o que corresponde, em termos filosóficos, à “realidade” bergsoniana). Sem se darem conta de que aquilo que tomam por plenitude de “vida” não é, efetivamente, senão o reino da morte e da dissolução sem retorno