A atitude materialista, seja ela um materialismo explícito e formal ou apenas um materialismo “prático”, traz necessariamente, em toda a constituição “psico-fisiológica” do ser humano, uma modificação real e bastante importante. Isso é fácil de compreender e, de fato, basta olhar ao redor para constatar que o homem moderno se tornou verdadeiramente impermeável a qualquer influência que não seja aquela que atinge seus sentidos. Não apenas suas faculdades de compreensão tornaram-se cada vez mais limitadas, como também o próprio campo de sua percepção se restringiu. Disso resulta uma espécie de fortalecimento do ponto de vista profano, pois, se esse ponto de vista nasceu primeiramente de uma falta de compreensão — portanto, de uma limitação das faculdades humanas — essa mesma limitação, ao acentuar-se e estender-se a todos os domínios, parece depois justificá-lo, ao menos aos olhos daqueles que por ela foram afetados. Que razão poderiam eles ter, de fato, para admitir a existência daquilo que já não podem conceber nem perceber realmente — ou seja, tudo aquilo que poderia lhes mostrar a insuficiência e a falsidade do próprio ponto de vista profano?
Daí provém a ideia do que se designa comumente como “vida ordinária” ou “vida cotidiana”; o que se entende por isso, com efeito, é, antes de tudo, algo em que, pela exclusão de todo caráter sagrado, ritual ou simbólico (seja este considerado no sentido especialmente religioso ou segundo qualquer outra modalidade tradicional — o que pouco importa aqui, já que em todos os casos trata-se igualmente de uma ação efetiva das “influências espirituais”), nada que não seja puramente humano poderia intervir de forma alguma. E essas próprias designações implicam, além disso, que tudo aquilo que ultrapassa tal concepção — mesmo quando ainda não for expressamente negado — é, ao menos, relegado a um domínio “extraordinário”, considerado como excepcional, estranho e incomum. Há, portanto, propriamente falando, uma inversão da ordem normal, tal como é representada pelas civilizações integralmente tradicionais, nas quais o ponto de vista profano não existe de maneira alguma; e essa inversão só pode conduzir logicamente à ignorância ou à negação completa do “supra-humano”.
Assim, há mesmo quem vá ao ponto de empregar, no mesmo sentido, a expressão “vida real”, o que, no fundo, constitui uma ironia singular, pois a verdade é que aquilo que eles assim denominam não passa, ao contrário, da pior das ilusões. Não queremos dizer com isso que as coisas em questão estejam, em si mesmas, desprovidas de toda realidade — embora essa realidade, que é em suma a do próprio plano sensível, corresponda ao grau mais baixo de todos, e que abaixo dela só haja o que está propriamente abaixo de toda existência manifestada. Mas é a maneira pela qual essas coisas são encaradas que é inteiramente falsa, e que, ao separá-las de qualquer princípio superior, lhes nega precisamente aquilo que constitui toda a sua realidade.
É por isso que, com toda a precisão, não existe de fato um domínio profano, mas apenas um ponto de vista profano, que se torna cada vez mais invasivo, até englobar, por fim, a existência humana em sua totalidade.
Vê-se com facilidade, por tudo isso, como, dentro dessa concepção da “vida ordinária”, passa-se quase imperceptivelmente de um estágio a outro, com a degeneração acentuando-se progressivamente: começa-se por admitir que certas coisas possam ser retiradas de toda influência tradicional, e depois são justamente essas coisas que se passa a considerar como normais; a partir daí, chega-se com demasiada facilidade a considerá-las como as únicas “reais” — o que equivale a descartar como “irreal” tudo o que é “supra-humano”, e mesmo, à medida que o domínio do humano é concebido de maneira cada vez mais estreitamente limitada, reduzindo-se à única modalidade corporal, tudo aquilo que pertence simplesmente à ordem suprassensível.
Basta observar como nossos contemporâneos empregam constantemente — e sem sequer pensar nisso — a palavra “real” como sinônimo de “sensível”, para perceber que foi justamente a esse ponto que chegaram efetivamente, e que essa forma de ver o mundo incorporou-se de tal modo à própria natureza deles, por assim dizer, que se tornou algo quase instintivo.
A filosofia moderna, que é, em suma, a princípio apenas uma expressão “sistematizada” da mentalidade geral — antes mesmo de vir a reagir sobre ela em certa medida — seguiu um caminho paralelo a esse: tudo começou com o elogio cartesiano do “bom senso”, de que falamos anteriormente, e que é bastante característico a esse respeito, pois a “vida ordinária” é, por excelência, o domínio desse pretenso “bom senso”, também chamado de “senso comum”, tão limitado quanto ela e da mesma maneira.
Depois, do racionalismo — que não é, no fundo, senão um aspecto mais especificamente filosófico do “humanismo”, isto é, da redução de todas as coisas a um ponto de vista exclusivamente humano — chega-se, pouco a pouco, ao materialismo ou ao positivismo: quer se negue expressamente, como o primeiro, tudo o que está além do mundo sensível, quer se limite, como o segundo (que, por essa razão, gosta de intitular-se também “agnosticismo”, fazendo disso um título de glória, quando na verdade é apenas a confissão de uma ignorância incurável), a recusar-se a tratar da questão, declarando-a “inacessível” ou “inconhecível” — o resultado, na prática, é exatamente o mesmo em ambos os casos, e é precisamente aquele que acabamos de descrever.
Repetiremos aqui mais uma vez que, para a maioria das pessoas, trata-se naturalmente apenas do que se pode chamar de um materialismo ou positivismo “prático”, independente de qualquer teoria filosófica — a qual é, de fato, e sempre será, algo profundamente estranho à maioria. Mas isso torna a situação ainda mais grave, não apenas porque esse estado de espírito adquire, assim, uma difusão incomparavelmente maior, mas também porque se torna tanto mais irremediável quanto mais irrefletido e menos claramente consciente ele é. Isso prova que penetrou realmente e como que impregnando toda a natureza do indivíduo.
O que já dissemos sobre o materialismo de fato, e sobre a maneira como ele é aceito por pessoas que ainda se julgam “religiosas”, demonstra suficientemente essa realidade; e, ao mesmo tempo, esse exemplo mostra que, no fundo, a filosofia propriamente dita não possui toda a importância que alguns gostariam de lhe atribuir — ou que, ao menos, ela a possui sobretudo na medida em que pode ser considerada como “representativa” de uma certa mentalidade, mais do que como agindo de forma efetiva e direta sobre ela.
Aliás, poderia alguma concepção filosófica, seja qual for, ter o menor êxito se não correspondesse a algumas das tendências predominantes da época em que é formulada?
Não queremos com isso dizer que os filósofos não desempenhem, como outros também, seu papel na derrocada moderna — o que seria certamente um exagero —, mas apenas que esse papel é, de fato, mais restrito do que se poderia supor à primeira vista, é bem diferente do que parece exteriormente.
De resto, de forma totalmente geral, aquilo que é mais aparente é sempre, segundo as próprias leis que regem a manifestação, mais uma consequência do que uma causa, mais um resultado do que um ponto de partida; e, em todo caso, não é jamais nesse nível superficial que se deve buscar aquilo que atua de modo realmente eficaz em uma ordem mais profunda — seja essa atuação conforme à norma e legítima, seja o contrário, como no caso de que estamos tratando aqui.
O mecanicismo e o materialismo, eles próprios, só puderam adquirir uma influência generalizada ao passarem do domínio filosófico para o domínio científico. De fato, tudo aquilo que se relaciona com este último — ou que, com razão ou sem ela, se apresenta como revestido do caráter “científico” — exerce, por diversas razões, uma ação muito mais forte sobre a mentalidade comum do que as teorias filosóficas, pois nela há sempre uma crença, ao menos implícita, na veracidade de uma “ciência” cujo caráter hipotético inevitavelmente lhe escapa; enquanto tudo o que se qualifica como “filosofia” a deixa mais ou menos indiferente.
A existência de aplicações práticas e utilitárias, no caso da ciência, e sua ausência no caso da filosofia, certamente não é alheia a esse fato. Isso nos remete justamente mais uma vez à ideia da “vida ordinária”, na qual efetivamente entra uma dose bastante significativa de “pragmatismo”. E o que estamos dizendo aqui é, evidentemente, completamente independente do fato de que certos contemporâneos nossos quiseram erigir o “pragmatismo” em sistema filosófico — o que só foi possível justamente em razão da orientação utilitária que é inerente à mentalidade moderna e profana em geral, e também porque, no estado atual de decadência intelectual, chegou-se a perder completamente de vista a própria noção de verdade, de modo que a noção de utilidade ou conveniência acabou por substituí-la inteiramente.
Seja como for, desde o momento em que se convencionou que a “realidade” consiste exclusivamente naquilo que cai sob os sentidos, é natural que o valor atribuído a qualquer coisa seja, de certo modo, medido por sua capacidade de produzir efeitos no plano sensível. Ora, é evidente que a “ciência”, considerada à maneira moderna como essencialmente solidária da indústria — senão mesmo confundida, em maior ou menor grau, com esta —, deve, nesse sentido, ocupar o primeiro lugar; e, por isso mesmo, ela se encontra ligada da maneira mais estreita possível a essa “vida ordinária” de que é, de certo modo, um dos pilares centrais.
Ela chega mesmo, assim, a tornar-se um dos principais fatores dessa “vida ordinária”; e, por repercussão, as hipóteses sobre as quais ela (a ciência) pretende se fundar — por mais gratuitas e injustificadas que sejam — passam a usufruir, aos olhos do vulgo, dessa situação privilegiada. É evidente que, na realidade, as aplicações práticas não dependem em nada da veracidade dessas hipóteses; e pode-se, aliás, perguntar o que restaria de tal ciência — tão nula enquanto conhecimento propriamente dito — se ela fosse separada das aplicações a que dá origem.
Mas, tal como ela é, é um fato que essa ciência “funciona”, e, para o espírito instintivamente utilitarista do “público” moderno, o “funcionamento” ou o “sucesso” transforma-se numa espécie de “critério de verdade” — se é que ainda se pode falar aqui de verdade, em qualquer sentido que seja.
Ela se torna, mesmo assim, um dos principais fatores da “vida ordinária”; e, como consequência, as hipóteses sobre as quais essa ciência pretende se apoiar — por mais gratuitas e injustificadas que sejam — acabam também por usufruir dessa posição privilegiada aos olhos do vulgo. É evidente que, na realidade, as aplicações práticas nada têm a ver com a veracidade dessas hipóteses; e pode-se até mesmo questionar o que seria de tal ciência — tão nula enquanto conhecimento verdadeiro — se fosse dissociada das aplicações a que dá origem.
Mas, tal como ela se apresenta, é um fato que essa ciência “funciona”, e, para o espírito instintivamente utilitarista do “público” moderno, o “funcionamento” ou o “sucesso” converte-se numa espécie de “critério da verdade” — se é que ainda se pode, aqui, falar de verdade em qualquer sentido.
Quer se trate, aliás, de qualquer ponto de vista — filosófico, científico ou simplesmente “prático” —, é evidente que tudo isso, no fundo, não representa senão aspectos diversos de uma única e mesma tendência; e também que essa tendência, como todas aquelas que são, em igual medida, constitutivas do espírito moderno, certamente não pôde desenvolver-se de forma espontânea. Já tivemos, aliás, diversas oportunidades de nos explicar sobre esse ponto, mas são questões sobre as quais jamais se poderá insistir demais, e ainda teremos de voltar mais adiante à posição mais precisa que o materialismo ocupa no conjunto do “plano” segundo o qual se efetua a derrocada do mundo moderno.
Naturalmente, os próprios materialistas são, mais do que ninguém, perfeitamente incapazes de se darem conta dessas coisas — e mesmo de conceberem sua possibilidade —, tão cegos estão por suas ideias preconcebidas, que lhes fecham toda saída para além do domínio estreito no qual estão habituados a se mover. E, sem dúvida, ficariam tão surpresos com isso quanto com o fato de saberem que existiram — e que ainda existem — homens para os quais aquilo que eles chamam de “vida ordinária” seria, na verdade, a coisa mais extraordinária que se possa imaginar, uma vez que não corresponde a nada do que realmente se passa em sua existência.
No entanto, é assim mesmo. E, mais do que isso, são justamente esses homens — e não os materialistas — que devem ser considerados como verdadeiramente “normais”, enquanto os materialistas, com todo o seu tão exaltado “bom senso” e com todo o “progresso” do qual se consideram orgulhosamente os produtos mais acabados e os representantes mais “avançados”, não passam, no fundo, de seres em quem certas faculdades se atrofiaram a tal ponto que chegaram a ser completamente abolidas.
É, aliás, somente sob essa condição que o mundo sensível pode lhes parecer como um “sistema fechado”, no interior do qual se sentem perfeitamente seguros. Resta-nos ainda ver como essa ilusão pode, em certo sentido e até certo ponto, ser “realizada” pelo próprio materialismo; mas também veremos mais adiante como, apesar disso, ela não representa senão um estado de equilíbrio profundamente instável — e como, no ponto mesmo em que as coisas hoje se encontram, essa segurança da “vida ordinária”, sobre a qual tem repousado até aqui toda a organização exterior do mundo moderno, corre sério risco de ser perturbada por “interferências” inesperadas.
¹ Pode-se dizer ainda, se assim se quiser, que se trata mais de um “fruto” do que de um “gérmen”; o fato de que o próprio fruto contenha novos germes indica que a consequência pode, por sua vez, desempenhar o papel de causa em outro nível, conforme o caráter cíclico da manifestação. Mas, para que isso ocorra, é necessário que ela passe, por assim dizer, do “aparente” ao “oculto”.
Tradução e adaptação : @sociedadesophia
Extraído da obra original em francês Le Règne de la Quantité et les Signes des Temps, de René Guénon (1945).